sábado, 11 de outubro de 2008

Um dragão na minha garagem

- Um dragão que cospe fogo pelas ventas vive na minha garagem.

Suponhamos que eu lhe faça seriamente essa afirmação. Com certeza você iria querer verificá-la, ver por si mesmo. São inumeráveis as histórias de dragões no decorrer dos séculos, mas não há evidências reais. Que oportunidade!
- Mostre-me – você diz. Eu o levo até a minha garagem. Você olha para dentro e vê uma escada de mão, latas de tinta vazias, um velho triciclo, mas nada de dragão.
- Onde está o dragão? – você pergunta
- Oh, está ali – respondo, acenando vagamente. – Esqueci de lhe dizer que é um dragão invisível.
Você propõe espalhar farinha no chão da garagem para tornar visíveis as pegadas do dragão
- Boa idéia – digo eu –, mas esse dragão flutua no ar.
Então, você quer usar um sensor infravermelho para detectar o fogo invisível.
- Boa idéia, mas o fogo invisível é também desprovido de calor.
Você quer borrifar o dragão com tinta para torná-lo visível.
- Boa idéia, só que é um dragão incorpóreo e a tinta não vai aderir.
E assim por diante. Eu me oponho a todo teste físico que você propõe com uma explicação especial de por que não vai funcionar.
Qual a diferença entre um dragão invisível, incorpóreo, flutuante, que cospe fogo atérmico, e um dragão inexistente? Se não há como refutar a minha afirmação, se nenhum experimento concebível vale contra ela, o que significa dizer que o meu dragão existe? A sua incapacidade de invalidar a minha hipótese não é absolutamente a mesma coisa que provar a veracidade dela. Alegações que não podem ser testadas, afirmações imunes a refutações não possuem caráter verídico, seja qual for o valor que possam ter por nos inspirar ou estimular nosso sentimento de admiração. O que eu estou pedindo a você é tão somente que, em face da ausência de evidências, acredite na minha palavra.

Extraído do livro de Carl Sagan: "O Mundo Assombrado por Demônios - a ciência vista como uma vela no escuro" - Companhia das Letras